Novas descobertas históricas no naufrágio do USS Lexington

Investigação da Divemag identificou um dos caças encontrados junto ao porta-aviões

Por: Marcella Duarte | Divemag.com

A equipe do navio de pesquisas R/V Petrel divulgou mais detalhes e imagens das descobertas no local do naufrágio do USS Lexington – localizado no início do mês, a 800 km da costa oriental da Austrália. Muitas aeronaves, armamentos e partes do enorme porta-aviões da Segunda Guerra repousam, como que paradas no tempo, a uma profundidade de cerca de 3 mil metros.

Boreste da proa, com escovém da âncora (abertura maior, no centro da imagem) e ‘buzina’ para cabos de amarração (buraco menor, abaixo à direita)

 

Seção boreste da popa, com 1 das 12 armas quádruplas calibre 1.1’’/75 (28mm) do navio, conhecidas como ‘Chicago Piano’

 

Seção do boreste da popa, abaixo do deck de vôo; acima à esquerda, é possível ver o final da pista, com marcas de orientação para pouso e vigias para iluminação (à direita está o suporte para armas da imagem anterior)

 

Quando naufragou, o Lexington tinha 35 de seus 78 aviões a bordo, e os exploradores afirmam já terem encontrado 11 deles: 7 Douglas TBD-1 Devastator (os mais preservados, talvez pela posição em que estavam no momento do incêndio), 3 Douglas SBD Dauntlesses e um Grumman F4F-3 Wildcat, além de asas e destroços ainda a serem identificados. Não se sabe quantas das aeronaves que afundaram com o navio estavam no deck de vôo – as que estivessem no hangar abaixo teriam ficado presas no naufrágio.

2 Devastators (T4 e T9), um de cabeça para baixo em cima do outro

 

Detalhe do TBD-1 T-11

 

Mas o avião que mais nos chamou a atenção foi o único F4F-3. O motivo está nos detalhes: desenhos na fuselagem, ainda bem nítidos, de quadro bandeiras japonesas, uma bomba e o Gato Felix. A Divemag conseguiu decifrar a história por trás das figuras:

– “Felix the Cat” era o apelido e insígnia do esquadrão VF-3 (hoje o mesmo desenho é símbolo do esquadrão VFA-31 ‘Tomcatters’). Originalmente frota do porta-aviões US Saratoga (CV-3), o grupo também foi designado para lutar no USS Lexington (CV-2) e no USS Yorktown (CV-5), durante as batalhas de 1942.

– As bandeiras indicam o número de aeronaves inimigas abatidas: 4 até então.

– A bomba significa que o avião realizou um bombardeio bem-sucedido.

Ou seja, seu piloto era muito bom! Quem será?

Olhando com atenção, percebemos algumas letras visíveis abaixo da lateral do cockpit, entre os corais incrustrados: GA****R de um lado e *AYLE* do outro.

Detalhe da lateral direita do Wildcat F-5

 

As mesmas marcações preservadas no lado esquerdo

Tudo nos leva a crer que essa é a aeronave do Almirante Noel Arthur Meredyth Gayler. Ele foi um dos 12 pilotos do VF-3 transferidos para o esquadrão VF-2 do Lexington, acompanhados por 19 aviões F4F-3 com o Gato Felix, logo antes da Batalha do Mar de Coral – e estava a bordo quando o navio afundou.

Nos confrontos na Papua-Nova Guiné, Gayler abateu 3 Mitsubishi G4M ‘Betties’ no ataque a Rabaul, em fevereiro de 1942, e 1 hidroavião Nakajima E8N na invasão a Lae-Salamaua, em março de 1942. Ou seja, exatamente quatro vitórias antes da Batalha do Mar de Coral – durante ela, derrubou mais 2 Aichi D3A e danificou ouras duas aeronaves inimigas.

E a bomba: durante o combate em Lae-Salamaua, Gayler e outros três pilotos do esquadrão atacaram posições antiaéreas japonesas com bombas 30-lb (45kg) – cada F4F-3 podia carregar 2 delas, mais 4 metralhadoras 12,7mm.

Noel Gayler, herói de guerra e um dos mais condecorados oficiais da história de Marinha norte-americana

Nascido em 25 de dezembro de 1914, no Alabama, Gayler entrou para a Academia da Marinha aos 16 anos de idade. Se formou Capitão-tenente e serviu em diversos navios até a eclosão da Segunda Guerra. Em 1940, iniciou os treinamentos para piloto e logo foi designado para o esquadrão VF-3.

Entre fevereiro e maio de 1942, Gayler recebeu a Cruz da Marinha (alta condecoração, por extrema bravura e risco de morte em combate com uma força inimiga armada, servindo além do dever) por três vezes – a primeira pessoa a atingir essa marca. Também foi um dos primeiros Ases (Ás é o aviador que abateu pelo menos 5 aeronaves inimigas) da 2ª Guerra.

Localizamos uma foto histórica do VF-3, dois meses antes da Batalha do Mar de Coral. Noel Gayler é o terceiro, da direta para esquerda, sentado à frente. Ao seu lado, no centro da foto, está o comandante do esquadrão VF-2: John “Jimmy” Thach, que desenvolveu a manobra “Thach weave”.

5/3/1942; da esquerda para a direita, em pé: Newton H. Mason (morto em ação na Batalha do Mar de Coral), Howard F. Clark (morto em ação na Batalha do Mar de Coral), Edward R. Sellstrom (morto em junho de 1942, em um acidente aéreo), Willard E. Eder (sobreviveu à guerra e aposentou como Capitão, em 1965), Howard L. Johnson (desaparecido em serviço, em 1943), Lackey (morto durante um vôo de treinamento com um SNJ, em 1945), Leon W. Haynes (sobreviveu à guerra e se aposentou como Capitão-Tenente, em 1945), Onia B. Stanley, Jr (sobreviveu à guerra e se aposentou como Capitão, em 1969), Dale W. Peterson (morto em ação na Batalha do Mar de Coral), Marion W. Dufilho (morto em ação da Batalha das Ilhas Salomão Orientais, em agosto de 1942), Rolla S. Lemmon (desaparecido em serviço, em 1944); sentados: Robert J. Morgan (sobreviveu à guerra e se aposentou como Capitão, em 1968), Albert O. Vorse Jr (sobreviveu à guerra e se aposentou como Contra-Almirante, em 1959), Donald A. Lovelace (morto em um acidente aéreo, em junho de 1942), comandante John S. “Jimmy” Thach (sobreviveu à guerra, se aposentou como Almirante, em 1967), Noel A.M. Gayler, Edward H. “Butch” O’Hare (desaparecido em serviço, em 1943), Richard M. Rowell (morto em ação na Batalha do Mar de Coral).

 

Seis dias após o lançamento da primeira bomba atômica (6/5/1945), Gayler sobrevoou Hiroshima e ficou tão chocado com a visão de uma cidade em que nada se mexia, que prometeu lutar pelo desarmamento nuclear. Ele sobreviveu à guerra e continuou na ativa até 1976, quando se aposentou como Almirante, seguindo com seu ativismo anti-nuclear.

Além de pilotar caças, comandar esquadrões aéreos e navios, Gayler ocupou cargos no governo, chegando a diretor da NSA (Agência de Segurança Nacional), entre 1969 e 1972, nomeado pelo presidente Nixon. Sua última missão na Marinha foi como Comandante-chefe do Comando do Pacífico das Forças Armadas norte-americanas, entre 1972 e 1976, no final da Guerra do Vietnã.

E quase viveu para ver seu avião sendo localizado: faleceu em 14 de julho de 2011, aos 96 anos, deixando 5 filhos.

“Se passaram de 2h30 a 3h entre o momento em que eu pousei no Lexington até a hora em que o capitão ordenou a evacuação. Havia muita coisa acontecendo, muitas explosões pelo navio. Um elevador de aviões subiu em uma coluna de fogo e caiu no deck com um estrondo. Havia muita preocupação em apagar os incêndios. Eu estava tentando, em vão, armar um novo ataque, porque eu sabia que havia pelo menos um navio japonês intacto. Naquela hora, pensamos que conseguiríamos decolar com os aviões, mas aí descobrimos que não havia como abastecê-los. Então era o fim.”

O avião de Gayler estava sem combustível e ficou no navio.

Deck de vôo do Lexington atingido na tarde de 8/5/1942; os Grumman F4F-3 (como o de Gayler) estão à frente da imagem e os Douglas TBD-1 estão atrás

 

‘Lady Lex’

O naufrágio do USS Lexington (CV-2) – apelidado “Lady Lex” pela tripulação – foi encontrado no Mar de Coral, no Oceano Pacífico, no último dia 4/3 – quase 76 anos após seu afundamento. A expedição do R/V Petrel é liderada pelo bilionário, co-fundador da Microsoft, Paul Allen.

Vídeo mais longo da exploração, recentemente divulgado:

Imagem de sonar mostra o campo de destroços do Lexington

Entre 4 e 8 de maio de 1942, o Lexington e outro porta-aviões norte-americano, o USS Yorktown, lutaram contra três porta-aviões japoneses na chamada Batalha do Mar de Coral. Foi o primeiro confronto entre porta-aviões da história, inaugurando uma nova fase de guerra marinha.

Atingido por múltiplos torpedos e bombas, ao final do combate o Lexington contabilizava danos irreparáveis. Explosões e um incêndio incontrolável obrigaram a tripulação a abandonar o navio. Então, ele foi deliberadamente afundado por outro navio de guerra americano, o USS Phelps – para evitar que os aviões e as armas fossem capturados pelos inimigos.

Torpedo não detonado próximo ao naufrágio; provavelmente um dos cinco MK15 disparados pelo USS Phelps

 

O fim do Lexington:

Afundamento do Lexington:

 

O Lexinton foi o primeiro porta-aviões a afundar durante a Segunda Guerra. 216 de seus tripulantes morreram na Batalha do Mar de Coral; os outros 2770 foram levados para navios próximos.

Apesar das baixas, a batalha foi um marco da guerra, juntamente com a de Midway, barrando o avanço japonês no Pacífico – após uma série de insucessos norte-americanos, incluindo Pearl Harbor (7/12/1941).

Explosão a bordo do Lexington (CV-2) lança uma aeronave para longe; esta é provavelmente a “grande explosão” do dia 8 de maio, causada pela edetonação de torpedos armazenados no hangar de boreste; à esquerda está o USS Hammann (DD-412), ajudando na evacuação; foto tirada a partir do USS Minneapolis (CA-36)

 

Tripulação abandonando o USS Lexington, detalhe de homens pendurados a bombordo, com apoio de um contratorpedeiro (encostado próximo à proa)

 

Sobreviventes do USS Lexington são içados para um cruzador (provavelmente o USS Minneapolis CA-36)

 

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