Erta Ale na Etiópia: o vulcão que não dorme, por Karina Oliani

Karina Oliani, nossa colunista, médica, modelo, mergulhadora e aventureira fez esse relato de como foi sua aventura no Vulcão que não dorme na Etiópia, com esse artigo inaugura, nosso editorial de aventura na Divemag, por que afinal de contas você leitor que é mergulhador também é um aventureiro, fique ligado e confira:


Essa não foi minha primeira vez na Etiópia, mas com certeza foi a experiência mais impressionante. Em 2011, estive lá para trabalhar em um projeto médico voluntário com comunidades remotas e carentes. Me comovi muito com tamanha pobreza e escassez que esse povo enfrenta. Foi durante a visita que ouvi falar de um vulcão que tinha um lago de lava permanente, o Erta Ale, um dos poucos vulcões no mundo que não adormece. Coloquei esse objetivo em minha vida e voltei pra lá neste ano, seis anos depois.

Vulcões são fenômenos espetaculares da natureza! Assistir a lava se movimentando, as explosões com tanto poder. E o Erta Ale, na Etiópia é um caso a parte. A Etiopia é um lugar selvagem, que agrada poucos. O turista que deseja conhecer esse vulcão deve estar preparado para obedecer leis que nunca antes foram escritas ou publicadas, agüentar altas temperaturas e trilhar um caminho que exige muito do corpo e da mente. Lá, o governo é extremamente corrupto e repressor. Ficamos em uma zona de conflito onde centenas de turistas já foram assassinados. Inclusive, em nosso ultimo dia na região, um alemão levou um tiro. 

Minha visita ao vulcão, conhecido como “portão do inferno”, não foi apenas para olhar o lago de lava de longe e ir embora. Eu queria fazer algo muito especial. Queria interagir de verdade com esse fenômeno da natureza. Como sempre faço quando vou encarar uma aventura tão desafiadora, era preciso encontrar um profissional que estivesse preparado e tivesse experiência. Mas quem toparia colocar uma mulher pra atravessar um lago de lava? E algo que nunca antes foi feito, pelo menos não da maneira que eu desejava (risos).

Pra falar a verdade, nem eu sabia se era realmente possível. Qual a temperatura da lava e das fumarolas dentro da cratera? Existe uma corda e equipamentos que resistem a essa temperatura? Essas e outras perguntas me faziam pesquisar muito até encontrar um dos melhores profissionais em ancoragem do planeta, que fosse louco como eu.

Frederick Schuett é um canadense capaz de montar ancoragens de enorme complexidade. Ele busca realizar o impossível. Ao conhecê-lo tive a certeza de que era a pessoa certa para me ajudar nesse desafio. Mal sabia eu que o Erta Ale iria desafiar até ele.  

Nossa aventura estava pronta para começar. Paramos pra pegar a autorização num vilarejo já próximo do Erta Ale. Depois de tantos meses de trabalho, foi a primeira grande alegria poder pegar esse pedaço de papel. Mas eles não só mandaram a autorização como também mandaram um funcionário local armado com um fuzil para nos acompanhar todo tempo.

Quando chegamos e pisamos pela primeira vez na cratera, sentimos como a rocha era fina, quebradiça e instável, como se andávamos sobre uma fina casca de gelo. Na verdade era lava condensada e mais nada. Se eu quisesse atravessar o vulcão, teria que ser pisando em ovos.

E como ninguém nunca tinha feito isso antes, a gente não sabia se era possível. Assim que acordamos e fomos pra cratera, fiquei muito decepcionada. Já estive em diversos vulcões na minha vida: Islandia, Havaí, Itália, mas em nenhum deles a rocha era tão ruim.

Pensei que não seria possível, mas fiquei quieta. Vi na cara do Frederick que ele estava pensando a mesma coisa. Então a gente começou a furar a pedra de lava e ver se achávamos algum lugar dela que prestava. Ao descascar, a pedra esfarelava na nossa mão. Era desesperador. De repente, limpando as camadas mais finas da superfície, achamos um lugar que o parafuso pegou bem. Resolvemos então testar a resistência dele. O teste foi surpreendente e a gente se pendurou, várias pessoas na corda e ela aguentou. Em cerca de um minuto a moral da equipe tinha mudado completamente. Aquela ancoragem era real, e se conseguimos uma, poderíamos conseguir mais.

Passamos 1 dia inteiro só procurando 4 ancoragens seguras. Não foi fácil. O sol de 45 ºC na cabeça, uma rocha afiada que cortava tudo, mas mesmo assim conseguimos. Metade do caminho já havia ficado para traz. A gente ainda tinha que ver se a temperatura bem em cima da lava e das chaminés iriam permitir que a gente esticasse uma corda lá. E ainda se minha roupa térmica iria aguentar o calor por alguns minutos (enquanto eu estaria suspensa).

Seria necessário realizar testes. No dia seguinte, pegamos os termômetros de churrasco wireless que o Frederick havia levado do Canadá pra gente. Era preciso garantir que a corda esticasse exatamente no ponto que eu iria atravessar, por horas, e em todas as fases do vulcão. Isso porque o vulcão passa por diversos ciclos em um dia: a lava resfria, ele fica calmo, de repente tem a primeira explosão e toda lava começa a fervilhar e respingar pra todo lado, o sentido do fluxo da lava também mudou três vezes de direção, cada hora corria pra um lado.

Essa imprevisibilidade trazia mais risco e mais complexidade pro nosso projeto. Vale destacar que fui para Etiópia com minha equipe de produção. Estudamos tudo, muitas vezes, incansavelmente dia e noite! A equipe eu escolhi a dedo e não podia ser diferente. Trabalhar nessas condições desafiadoras não era para qualquer um.

A ajuda dos locais também foi fundamental. Ter eles do nosso lado, ajudando a carregar todo equipamento pesado cratera acima e abaixo, foi fundamental. Sobretudo a torcida para que eu conseguisse alcançar meu objetivo, foi lindo.

Estar em uma das regiões mais inóspitas do planeta, atravessar o deserto mais quente do mundo, trabalhar três dias intensos com os gases tóxicos que ardiam o olho, a garganta, a pele e o cabelo. Isso por si só já torna o desafio gigante. Então ter uma estrutura de acampamento base pra equipe foi bem importante. Eis que chegou o dia. Saímos quando ainda estava escuro suficiente para ver a lava acesa e também um pouco claro para que as câmeras conseguirem boas imagens.

Nós planejamos, porém quando se trata da natureza é sempre ela que dita as regras. O nome desse vulcão na linguagem affar significa montanha de fumaça. Em alguns momentos essa fumaça se abria e a gente conseguia ver o lago de lava perfeito. Mas nesse momento a fumaça não deu uma trégua e como nosso equipamento não podia ficar muito tempo nessas condições a travessia teve que ser no meio da fumaça mesmo. Foi inevitável respirar os gases tóxicos dessa caldeira e quando eu voltei meu nariz estava sangrando bastante.

Por alguns momentos eu nem acreditava no que estava realmente acontecendo. Uma coisa que ninguém tinha feito, ninguém sabia falar nem se era possível, eu estava em cima do maior lago de lava do mundo, num dos vulcões mais ativos da Terra, realizando um sonho que batalhei tanto pra acontecer. Foi mágico! Deu certo!

Agradecimentos:

  • PUMA
  • Motorola
  • Volvo
  • SPOT

Fotos: Gabriel Tarso e Marcelo Rabelo

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