A alta concentração de bifenilpoliclorados em oceanos que banham Brasil, Estreito de Gibraltar e Grã-Bretanha pode levar ao desaparecimento de metade da população desses animais em até 50 anos, alerta estudo dinamarquês
O químico interfere no funcionamento dos sistemas reprodutivo e imunológico do animal e é passado à prole pelo leite (foto: Audun Rikardsen/Divulgação )
Mais de 40 anos depois das primeiras iniciativas globais para banir o uso dos PCBs (bifenilpoliclorados), esses poluentes químicos continuam uma ameaça letal a animais no topo da cadeia alimentar. Um estudo publicado na revista Science desta semana mostra que as concentrações atuais da substância pode levar ao desaparecimento de metade das populações mundiais das baleias orca, também conhecidas como baleias-assassinas, nos locais com maiores níveis de contaminação, incluindo o Brasil, em 30 ou 50 anos.
As Orcinus orca formam o último elo em uma longa cadeia alimentar e estão entre os animais com maiores níveis de PCBs nos tecidos. Pesquisadores da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, encontraram quantidades do poluente de até 1,3 mil miligramas por quilo de tecido gorduroso das baleias. Para comparar, um grande número de pesquisas anteriores mostram que animais com 50 miligramas de bifenilpoliclorados por quilo de tecido adiposo já podem mostrar sinais de infertilidade e impactos severos no sistema imunológico.
Com pesquisadores de universidades e centros de pesquisa internacionais, os cientistas dinamarqueses documentaram que o número de orcas está declinando rapidamente em 10 das 19 populações investigadas e que a espécie pode desaparecer completamente de várias áreas dentro de poucas décadas. Os lugares mais contaminados são áreas oceânicas próximas de Brasil, Estreito de Gibraltar e Grã-Bretanha. Ao redor das Ilhas Britânicas, os pesquisadores estimam que as populações remanescentes contam com menos de uma dezena de exemplares. Também ao longo da costa da Groenlândia, as orcas são ameaçadas devido ao alto consumo de animais marinhos pelos habitantes.
Impacto reprodutivo
A baleia-assassina é um dos mamíferos mais difundidos pela Terra, sendo encontrada em todos os oceanos, dos polos Sul ao Norte. Mas, hoje, apenas as populações que vivem nas áreas menos poluídas têm um número grande de indivíduos. Pesca predatória e barulhos gerados por atividades humanas também podem afetar a saúde desses animais, mas os PCBs, particularmente, podem ter efeito dramático nos sistemas reprodutivo e imunológico das orcas.
A dieta desses animais inclui, entre outros itens, focas e peixes grandes, como atum e tubarões, que acumulam níveis críticos da substância química e de outros poluentes, estocados em níveis sucessivos da cadeia alimentar. Essas são as populações de orcas com maiores concentrações de PCBs e, portanto, as que se encontram em risco elevado de colapso. Baleias-assassinas que se alimentam principalmente de peixes de pequeno porte, como o arenque e a cavala, têm um conteúdo significativamente menor de PCBs e, portanto, menor risco de apresentar efeitos colaterais.
Os PCBs são passados da mãe orca para a prole pelo leite, rico em gordura. Isso significa que as substâncias perigosas permanecem nos corpos dos animais, em vez de serem liberadas no meio ambiente, onde eventualmente se depositam ou se degradam. “Sabemos que os PCBs deformam os órgãos reprodutivos de animais como os ursos polares. Por isso, é natural examinar o impacto deles sobre as escassas populações de orcas em todo o mundo”, diz Rune Dietz, do Departamento de Biociências da Universidade de Aarhus, que iniciou os estudos sobre as baleias-assassinas e é coautor do artigo.
Amostra inédita
O grupo de pesquisa, que inclui participantes de Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Groenlândia, Islândia e Dinamarca, revisou toda a literatura existente e comparou os dados com os resultados mais recentes. A metodologia forneceu informações sobre os níveis de PCB em mais de 350 baleias-assassinas em todo o mundo, o maior número desse animal já estudado.
Aplicando modelos, os pesquisadores previram os efeitos dos PCBs na quantidade de descendentes, bem como no sistema imunológico e na mortalidade da baleia-assassina durante o período de um século. “As descobertas são surpreendentes. Vimos que mais da metade das populações de baleias-assassinas em todo o mundo está severamente afetada por PCBs”, diz Jean-Pierre Desforges, pesquisador de PhD da Universidade de Aarhus, que liderou o estudo.
Os efeitos resultam em cada vez menos orcas ao longo do tempo. A situação é pior nos oceanos que banham Brasil, Estreito de Gibraltar, nordeste do Pacífico e em todo o Reino Unido. Nesses casos, os modelos mostram que as populações praticamente foram reduzidas pela metade durante o meio século onde os PCBs estiveram presentes. “Nessas áreas, raramente observamos baleias-assassinas recém-nascidas”, conta Ailsa Hall que, com Bernie McConnell, desenvolveu os modelos usados pela Unidade de Pesquisa de Mamíferos Marinhos, na Escócia. “Como os efeitos adversos dos PCBs foram reconhecidos há mais de 50 anos, é assustador ver que os modelos preveem um alto risco de colapso populacional nessas áreas dentro de um período de 30 a 40 anos”, diz Jean-Pierre Desforges.
Quantidade de baleias analisadas pela equipe de cientistas. O número é o maior já estudado.
Poucos esforços
Os bifenilpoliclorados (PCBs) têm sido usados em todo o mundo desde a década de 1930. Mais de um milhão de toneladas desses poluentes foram produzidas e usadas, entre outras coisas, em componentes elétricos e plásticos. Como o DDT e outros pesticidas orgânicos, eles se espalharam pelos oceanos globais. Durante as décadas de 1970 e 1980, foram banidos em vários países e, em 2004, por meio da Convenção de Estocolmo, mais de 90 nações se comprometeram em eliminar gradualmente os grandes estoques do produto, decomposto lentamente no ambiente.
Uma baleia-assassina pode viver por 60 a 70 anos e, embora o mundo tenha dado os primeiros passos para eliminar os PCBs há mais de 40 anos, as orcas continuam com níveis altos de PCB no corpo. “Isso sugere que os esforços não foram eficazes o suficiente para evitar o acúmulo de PCBs em espécies de alto nível trófico (posição na cadeia alimentar) que vivem tanto quanto a baleia-assassina. Portanto, há uma necessidade urgente de novas iniciativas além daquelas da Convenção de Estocolmo”, conclui Paul D. Jepson, pesquisador do Instituto de Zoologia da Sociedade Zoológica de Londres, coautor do artigo.
“Isso sugere que os esforços não foram eficazes o suficiente para evitar o acúmulo de PCBs em espécies de alto nível trófico (posição na cadeia alimentar) que vivem tanto quanto a baleia-assassina”
Paul D. Jepson, do Instituto de Zoologia da Sociedade Zoológica de Londres
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