A possibilidade de receber alguns milhões de dólares em investimento deveria ser motivo de alegria para qualquer gestor de unidade de conservação no Brasil. No Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, porém, a carência de recursos humanos é tanta, que uma eventual abundância de recursos financeiros transforma-se em preocupação.
Localizado no extremo sul da Bahia (mapa), na região de maior biodiversidade do Atlântico Sul e um dos principais berçários de baleias jubartes do mundo, o parque de 880 km2 conta hoje com apenas três funcionários concursados: o chefe, o subchefe e um técnico administrativo. Dois anos atrás, eram cinco.
O chefe em exercício do parque, Marcello Lourenço, classifica a situação atual como “o pior momento” da unidade. Na semana passada, ele e outros gestores de unidades de conservação (UCs) marinhas do País foram chamados com urgência a uma reunião no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em Brasília, com o intuito de fatiar às pressas um bolo de US$ 116 milhões, que deverão ser investidos em áreas protegidas costeiras e marinhas do País nos próximos cinco anos por um programa chamado GEF Mar.
O valor inclui US$ 18 milhões do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) e US$ 98 milhões em recursos de contrapartida da Petrobrás e do governo brasileiro (US$ 90 milhões da empresa e US$ 8 milhões somados do ICMBio e do Ministério do Meio Ambiente). A expectativa é que 11 UCs marinhas consideradas prioritárias sejam contempladas no programa, que tem como um de seus objetivos principais garantir a proteção de pelo menos 5% do território marinho brasileiro.
Na reunião, Lourenço e os outros gestores receberam planilhas em branco para preencher e devolver no dia seguinte, com instruções para listar tudo que suas unidades precisavam para funcionar a contento, “sem limite de gasto”. A única coisa que não valia colocar na lista: funcionários. “Como é que eu vou gastar um dinheiro desses se não tenho funcionários?”, questiona Lourenço, que conversou com o Estado na semana passada em Caravelas, município costeiro que abriga a sede do parque. “O governo precisa dar essa contrapartida em recursos humanos. Caso contrário, não funciona.”
O chefe do parque, Ricardo Jerozolimski, está em férias este mês.
Lourenço devolveu ao ICMBio uma planilha com itens no valor total de R$ 8 milhões. Entre as necessidades listadas estão desde a melhoria do centro de visitantes em Caravelas – que hoje não tem exposição permanente, apenas uma réplica de baleia e um punhado de fotos e pôsteres de lona grudados na parede – até a compra de equipamentos de vigilância (como binóculos de visão noturna) e uma segunda lancha de apoio à fiscalização do parque, que é constantemente invadido por pescadores.
“Já temos uma lancha, mas todo mundo sabe que, no mar, quem tem uma não tem nenhuma, e quem tem duas tem uma”, afirma Lourenço, referindo-se às dificuldades mecânicas e logísticas de manter uma embarcação funcionando em tempo integral. “Não tem como garantir a segurança de um parque desses com apenas uma embarcação.” A lancha fica em Caravelas e é acionada quando algum barco é detectado pescando dentro do parque. Ela leva uma hora para chegar ao Arquipélago dos Abrolhos, comparado às 4 ou 5 horas que se leva num barco de pesca ou mesmo de passeio.
“A fiscalização é nossa maior deficiência. Tem muita invasão de pescador mesmo”, diz a monitora Maria Bernadete Silva Barbosa, a “Berna”, uma paraense de 50 anos, que é quem passa mais tempo de fato no arquipélago. Há 25 anos atuando como guarda-parque terceirizada, ela é a funcionária mais antiga de Abrolhos. Segundo ela, faltam botes, motores e “mais fiscais” para garantir a segurança da unidade, ainda que a lancha ajude bastante na fiscalização. As poitas (estruturas fixas de ancoragem) do parque também carecem de manutenção para atender à demanda dos barcos de turismo, passeio ou mesmo de pesca, que às vezes precisam pernoitar no arquipélago para se proteger do mau tempo ou fazer reparos. Das 15 poitas instaladas, a maioria não está funcionando, obrigando os barcos a jogar âncora sobre os recifes ou sobre os fundos de areia e algas que as tartarugas e peixes herbívoros usam para se alimentar.
“O ponto mais crítico é a falta de pessoal, que compromete tanto a visitação quanto a conservação e a vigilância”, diz o diretor do Programa Marinho da organização Conservação Internacional (CI-Brasil), Guilherme Dutra. “O quadro atual de funcionários obviamente não é o suficiente para uma gestão adequada do parque. Com essa deficiência básica, fica difícil estruturar outras demandas importantes.”
Dutra, que tem família em Caravelas e trabalhou diretamente com a conservação de Abrolhos durante vários anos, reclama que a sociedade civil não foi chamada pelo ICMBio para discutir a distribuição dos recursos do GEF Mar. “A verdade é que Abrolhos nunca foi visto como uma prioridade pelo governo federal”, afirma. “O que cria um sentimento de incapacidade total do poder público de lidar com a implementação de fato das unidades de conservação dessa região.”
Campanha. A CI-Brasil e a Fundação SOS Mata Atlântica lançaram ontem a campanha Adote Abrolhos, com o intuito de engajar a sociedade nos esforços de conservação da região, que abriga o maior conjunto de recifes de coral do País, espalhados por uma gigantesca plataforma de águas rasas que se estende da foz do Rio Jequitinhonha (na Bahia) até a foz do Rio Doce (no Espírito Santo). Razão pela qual ela é o maior centro de biodiversidade marinha do Atlântico Sul, a área mais rica em pescado do País, e palco de conflitos constantes com a exploração de petróleo, minérios e outras atividades econômicas potencialmente impactantes aos ecossistemas marinhos.
Apesar disso, ainda é pouco conhecida do público em geral, por causa de várias dificuldades logísticas de acesso e carências estruturais de apoio ao turismo. Entre 1998 e 2000, quando o aeroporto de Caravelas estava em operação, o parque nacional (que é a principal atração) chegou a receber 15 mil visitantes/ano. Hoje, recebe uma média de 4 mil a 5 mil apenas. O aeroporto local foi fechado, e agora é preciso voar até Porto Seguro, alugar um carro e dirigir 4 a 5 horas numa estrada federal cheia de caminhões para chegar até Caravelas, mais as 4 a 5 horas de barco até o Arquipélago dos Abrolhos.
“Muito pouca gente sabe das riquezas que existem aqui”, diz o paulistano Eduardo Camargo, gerente do Programa Marinho da CI-Brasil, que mora em Caravelas há 15 anos. “É uma região sob forte pressão, mas ainda bastante preservada e com grande potencial para um modelo de desenvolvimento sustentável, diferenciado. O que falta é vontade política para isso acontecer, tanto na esfera estadual quanto na federal.”
Além do parque nacional, a região abriga outras três unidades de conservação marinhas: as reservas extrativistas (Resex) de Cassurubá, Corumbau e Canavieiras. Juntas, porém, elas protegem apenas 4%, aproximadamente, de toda a região de Abrolhos. “Há muitos ambientes importantíssimos que ainda não estão protegidos”, afirma Guilherme Dutra. Um dos objetivos da campanha é pressionar pela implementação efetiva dessas unidades e retomar as discussões sobre a ampliação do parque nacional. (Para mais informações, veja a Reportagem Especial: Abrolhos, de abril de 2012)
Outro lado. O ICMBio foi procurado pela reportagem no início da semana para falar sobre as situação do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos e sobre o GEF Mar, mas não respondeu às perguntas da reportagem.
O repórter viajou até o parque a convite da Aliança para a Conservação Marinha.
Fonte: Herton Escobar / Estadão
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